Povos indígenas e sociedade civil questionam o retrocesso governamental nas políticas brasileiras sobre o meio ambiente e desenvolvimento
O Brasil tem tomado medidas significativas e graduais de combate ao desmatamento desde a primeira Cúpula da Terra em 1992. O reconhecimento crescente dos direitos dos povos indígenas da Amazônia à terra, a melhor aplicação da legislação e mudanças nos subsídios rurais (em conjunto com fatores externos como a variaçã nos preços das commodities) contribuíram para a redução do desmatamento anual no Brasil em 70%, se comparado com o seu pico na década de 1990, (ainda que o país tenha sofrido um aumento de 127% no desmatamento entre 2010 e 2011).
Não obstante as difíceis conquistas alcançadas nas duas últimas décadas, povos indígenas, movimentos sociais e ONGs no Brasil alertam que o reconhecimento crescente dos direitos dos povos indígenas e o progresso no combate ao desmatamento estão sob ameaça da pressão do lobby do agronegócio. As reformas por eles propostas levariam ao enfraquecimento das leis ambientais e o solapamento dos direitos dos povos indígenas.Eles ressaltam que as florestas estão mais uma vez ameaçadas por políticas do governo federal que visam a reduzir as áreas de proteção permanente na Amazônia, e seguir adiante com projetos ameaçadores, como a construção de represas, estradas e a produção de bioenergia, sem respeitar os direitos dos povos indígenas ou a opinião pública. Outros identificam uma tendência perturbadora no que diz respeito ao cumprimento da lei na floresta amazônica, uma vez que colonos, madeireiras e latifundiários ocupam territórios indígenas sem sofrer nenhuma sanção, (como no caso do povo Awá no leste da Amazônia). Ativistas de direitos humanos relatam que o esbulho e a extração ilegal de madeira são crescentemente associados a violações de direitos humanos, (como por exemplo, na extensão da estrada BR364), inclusive o assassinato de diversos líderes indígenas e ativistas locais que haviam se pronunciado publicamente. Enquanto isso, líderes comunitários são criminalizados pela defesa de suas florestas, e as autoridades parecem relutar em aplicar as leis ambientais e sociais que visam a regular projetos de infraestrutura, como visto na construção intempestiva da imensa represa em Belo Monte, que alagará 40.000 ha da mata e deslocar, potencialmente, 20 mil pessoas.Organizações ambientais e da sociedade civil no Brasil estão intensificando seus esforços para questionar e expor esses retrocessos nas políticas brasileiras de meio ambiente e desenvolvimento. Desde o início do ano, ativistas ambientais vêm fazendo uma forte campanha para tentar persuadir a Presidente Dilma Rousseff a vetar integralmente as alterações controversas do Código Florestal. Se aprovadas, elas levariam ao desmatamento em larga escala por todo o país. Em maio de 2012, a Presidente vetou apenas algumas disposições, recusando-se a rejeitar a retrógrada proposta. Grupos de protesto reclamam que as mudanças mínimas efetuadas pela Presidente levarão à absolvição dos desmatadores, além de criar ambiguidades e brechas no código florestal que enfraqueceriam seriamente a proteção dos cursos de água e matas ciliares.O governo afirma que não haverá anistia para aqueles que destruíram as florestas ilegalmente, mas ainda assim a proposta do código florestal efetivamente recompensaria crimes anteriormente cometidos. O governo diz que essas mudanças visam a beneficiar pequenos agricultores; na verdade, elas o fazem em relação aos interesses do agronegócio. Se essa lei for adiante, levará a um retrocesso e ao relaxamento da legislação ambiental. Nós continuaremos a nos opor a essa legislação. [Malu Ribeiro, SOS Mata Atlântica, Junho de 2012]Da mesma forma, povos indígenas apontam contradições significativas nas políticas florestais e de desenvolvimento. Eles notam que ao mesmo tempo que o Brasil estabeleceu metas de redução do desmatamento em 80% até 2020, também estabeleceu metas agressivas para a construção de estradas e represas na região amazônica. Em junho, líderes indígenas enviaram, à Presidente Dilma Rousseff, uma carta denunciando o “assalto” aos direitos de seus povos. Os líderes ressaltam que as propostas de emenda constitucional apresentadas pelo lobby do agronegócio ameaçam violar os direitos dos povos indígenas e podem interromper o processo de demarcação das Terras Indígenas. Na pior das hipóteses, essas emendas (conhecidas como PEC 215) poderiam até levar a uma redução nas terras legalmente demarcadas, enquanto outras (na PL1610) autorizariam atividades de mineração nos territórios indígenas.O descontentamento crescente em relação às políticas verticais impostas pelo governo foi expressado em diversas reuniões públicas, passeatas e eventos, dentro e fora da Cúpula Rio+20, no final de junho. No dia 21 de junho, indígenas das tribos Xikrin, Juruna, Parakaña, Kuruaya e Kayapó ocuparam o canteiro de obras em Belo Monte para exigir a cassação da licença ambiental do projeto, e a aplicação imediata de medidas para garantir o respeito ao consentimento livre, prévio e informado, como previsto na Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP).Enquanto isso, prosseguem os protestos contra o controverso código florestal brasileiro. Num dos casos, na noite de 21 de junho, um evento paralelo do governo brasileiro foi suspenso pela metade depois que manifestantes se apresentaram vestindo uma camiseta com a frase “Código Florestal: o jogo não acabou” ou com cartazes com a foto da Presidente Rousseff segurando uma motosserra. A interrupção ruidosa da reunião pôde ser ouvida pelos corredores do Riocentro, da mesma forma que as contradições nas políticas brasileiras foram, mais uma vez, publicamente expostas.Se o Brasil pretende ter credibilidade nos debates sobre o meio ambiente e desenvolvimento em nível nacional e global, deverá tomar ações concretas para demonstrar o seu compromisso com o desenvolvimento sustentável, defendendo em sede constitucional os direitos e territórios de povos indígenas, formulando políticas multissetoriais para as florestas, e implementando normas e mecanismos de garantia robustos, capazes de impedir megaprojetos devastadores.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:Pronunciamento dos representantes indígenas no dia mundial do meio ambiente: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6326 Declaração dos Povos Indígenas de Altamira 09 de junho de 2012 contra Belo Monte: http://earthpeoples.org/blog/?p=2190 Líderes indígenas exigem a suspensão da licença operacional da represa em Belo Monte: http://earthpeoples.org/blog/?p=2184 Dia do Índio passa em branco pelas mãos de Dilma Rousseff: http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3532 Preocupações em relação às emendas constitucionais: http://www.trabalhoindigenista.org.br/noticia.php?id_noticia=121Campanha para o povo Awá de Survival International: http://www.survivalinternational.org/pt/awaPromessas Não Cumpridas – Futuro Sombrio Os Povos Indígenas e a Amazônia têm que pagar pela ganância por recursos naturais?–– Society for Threatened Peoples, 2012: http://assets.gfbv.ch/downloads/endfassung_portugiesisch.pdf Terras Quilombolas em Oriximiná: pressões e ameaças – Comissão Pró-Índio de São Paulo, 2011: http://www.cpisp.org.br/pdf/Oriximina_PressoesAmea%C3%A7as.pdf
Overview
- Resource Type:
- News
- Publication date:
- 23 July 2012
- Programmes:
- Conservation and human rights